sexta-feira, 21 de agosto de 2009

120, 150, 200km/h (siga o link, ouça, reflita!)

Caros alunos,
esta postagem, de caráter nitidamente pessoal, reflete um profundo conhecimento do pensamento de Pierre Levy, que será o foco de nossa próxima aula. Assim, esta semana, faremos algo diferente! Não serão os 3 primeiros a postar que ganharão 0,5. Mas aqui segue a primeira questão de nossa AP1, no valor de 2,0 (data de fechamento das postagens: 04/09/2009).
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Questão: O texto abaixo, retirado de um site da interenet, discute as noções de tempo-espaço e identidade no ciberespaço. Facilitei chaves de leitura, destacando algumas partes essenciais do texto, bastante discutidas na aula de ontem. Cada um de vocês deve postar um comentário, tematizando uma (ou mais) dessas chaves de leitura. Única exigência: escrevam seus comentários embasados nos textos disponibilizados. Repito: a correção levará em conta a sitematização e organização do CONHECIMENTO, mais do que as referências. _____________________________________________
CIBERESPAÇO, ESPAÇO CIBERNÉTICO, ESPAÇO VIRTUAL, ESPAÇO SIDERAL, DESIDERIUM, DESEJO...
por Joelma Chisté Linhares
...Começo a formular minha questão evocando o tempo. Em um carro a 40 Km/h já não conseguimos mais acompanhar as listras que demarcam a estrada. A velocidade com que avançam as descobertas tecnológicas produzem o sentimento de um tempo acelerado. Temos a nítida impressão que tudo acontece rápido demais e nos sentimos muitas vezes vagarosos para acompanhar este ritmo frenético, o que parece ser o primeiro sintoma, um indício das mudanças que estão se encaminhando. Diz um ditado popular que há tempo de plantar e tempo de colher. Talvez em tempos de um tempo online, esta diferenciação já não mais exista e, enquanto estou eu aqui, digitando este texto, exista um outro – e provavelmente o há – que tido esta mesma idéia já a tenha colocado na tela (eu ia dizer papel...) ou, então, neste mesmo momento em que tu lês o meu texto, ele já tenha se tornado um outro pelos efeitos que estas poucas e pretensiosas linhas podem ter te produzido. A velocidade desenfreada surge como prenúncio da virtualização do homem.
As nov@s tecnologias ditam a direção do ciberespaço e apontam para uma nova era cujas implicações na subjetividade humana pretendo levantar aqui. Estamos diante da virtualidade, da virtualização, do que é virtual, do que é e do que não é ao mesmo tempo, do nada e do tudo. Estamos diante das potencialidades de atualização. O virtual , por um lado, representa o novo, o desconhecido, um jogo de forças atuando no sentido de criar um nível de tensão X que provoque uma simulação, uma individuação. Por outro lado, este novo, quando tornado conhecido, desvela e introduz uma lógica que repete a experiência deste novo, porque ele mesmo funciona de acordo com uma lógica da desterritorialização, do devir, do processo: a lógica da virtualização. Podemos dizer que o virtual se apresenta como uma experiência de metaestabilidade e, ao mesmo tempo, é a própria metaestabilidade. O fim das certezas absolutas, o fim dos territórios demarcados, agora, tudo se resume ao espaço.
A comunicação entre os humanos é o que permite ao homem tornar-se cidadão. É através das diversas formas de linguagem que o homem consegue se organizar em sociedade, estabelecendo leis de convivência, firmando e transmitindo valores e conhecimentos. Tomemos, então, as técnicas de comunicação utilizadas pelo homem para entendermos a relação que este vem estabelecendo com o mundo e a nova relação que se delineia.
Podemos situar, historicamente, quatro níveis: o oral, o escrito , os meios de comunicação de massa e o que advém com a infovia, com a rede da informação. A oralidade, a forma de mediação entre os humanos que dispensava a escrita, tinha um caráter essencialmente democrático. Todos tinham sua vez como agentes transformadores. O conhecimento se constituía como um processo de vir a ser, na medida em que não havia forma de perpetuar a palavra falada. Quando nos dispomos a atualizar alguma idéia e usamos palavras para isso, não mais estamos falando sobre a coisa em si. A coisa é, como dizemos, re-produzida, produzida novamente, é re-inventada. Tudo estava centrado na enunciação, no ato presente e, sobretudo, na memória. Havia, pois, uma relação com a desterritorialização, com o fluxo e a simulação num nível mais ligado à concretude e ao pensamento mítico.
Com o advento da escrita no século V a.C., surgem novas formas de se relacionar com o mundo, novas formas de habitá-lo. A palavra passa a ser registrada. Substitui-se o fluxo e o olhar mágico em prol de um entendimento mais realístico guiado pela abstração. O que foi dito, já não pode mais ser desdito. A palavra impressa não se apaga e isso repercute profundamente na forma do homem de existir. Os escritos se separam do tempo e do espaço, criando uma noção de historicidade que não existia na oralidade.
Por ser essencialmente um ato individual, a escrita tem o poder de distanciar as pessoas do saber, elitizando e mumificando o conhecimento. Sustenta a busca pela universalidade, pelo objetivo, tornando-se estática. Quantas vezes, ainda hoje, em uma aula inaugural, ao nos defrontarmos com o autor de um livro que figura no programa de alguma disciplina, não nos vemos atônitos diante da percepção de um homem ou uma mulher que caminha, fala e se engasga como qualquer mortal? O autor de um livro, o pensador de uma idéia, pelo distanciamento que a escrita provoca, é elevado à posição de uma entidade superior e suporta um saber inquestionável. Um exemplo disso é o Caso Dora, escrito por Freud , que com todos os seus enganos e exageros foi usado durante anos no meio acadêmico para a formação de psicanalistas e só recebeu uma crítica adequada e à altura após cinqüenta e seis anos de publicado.
Digamos, então, esforçando-nos para não cairmos em reducionismo e sem deixar de considerar a enorme contribuição desta evolução para a humanidade, que a era da palavra escrita aponta para um paradigma onde o modo de existir é predominantemente cristalizado, que se define pela ocupação de lugares determinados. É evidente que quando falamos na era da escrita e num modo de existir sedentário que a acompanha e lhe diz respeito, estamos fazendo uso de um modelo para explicar algo que, na verdade, além de ter sido fundamental, é determinado pela conjunção de múltiplos fatores.
Esta subjetividade que está em questão é uma subjetividade produzida pelos meios de produção capitalística, é o que Guatarri (1993) chama de máquina produtora de subjetividade industrializada. Já começamos a transitar aqui, no âmbito dos meios de comunicação de massa eletrônicos, onde a mídia – como um suporte tecno-intelectual da linguagem humana – é o grande instrumento de produção de desejo com seus modelos perfeitos de sucesso e felicidade. E na mesma medida em que gera desejo, se oferece como capaz de preencher os buracos que cria, destituindo o homem da possibilidade de fazer seu próprio caminho. Parece que em todas as direções encontramos lugares a serem ocupados. O jovem que só se sente aceito por calçar determinada marca de tênis, o leitor que é incapaz de produzir diferenças através do que lê, fazendo suas as palavras do escritor, ou aquele que é incapaz de enunciar a quem interesse suas críticas, o que acaba tendo o mesmo efeito.
Os meios de comunicação de massa, ao contrário do que acontecia na oralidade e na era da escrita, alcançam em tempo real um contingente imenso de indivíduos. Além disso, como externalizações das percepções humanas (televisão como um olho coletivo e o rádio como um ouvido coletivo), propagam interpretações parciais sustentadas em interesses bem definidos como se fossem verdades absolutas. A falta de exposição na mídia de outras posições que façam frente a este olhar parcial permite que ele seja captado sem nenhuma crítica como único possível, criando uma hegemonia, uma homogenização alienada, presa, territorializada. Temos aqui, como afirma Cândido(1999), a subjetividade passiva oriunda de um sistema de comunicação violador, intruso, unidirecional. O ápice da territorialização.
E, de repente, estamos nós perante a máquina... e pela máquina, perante a Internet, que não é nem a oralidade, nem a escrita, nem a televisão ou o rádio, nem o simples resultado do complemento destes suportes de comunicação. Sons, palavras e imagens num universo virtual. Ciberespaço, espaço cibernético, espaço virtual, espaço sideral, desiderium, desejo...
Vislumbramos uma nova relação com o mundo, com a cultura, com o conhecimento. O virtual, como escreve Lévy (1996), não se presta como contraponto ao real, de onde se conclui que o virtual não significa fora da realidade, como muitos apregoam. O virtual, por outro lado, se contrapõe ao atual, sendo que este não mantém uma relação de determinação com aquele. Isso quer dizer que uma atualização não nos leva de volta à virtualização que a gerou, ao contrário da relação do real com seu contraponto, o possível, que mantém uma relação de causa e efeito perfeitamente reversível, num processo linear, pré-determinado e, por isso, previsível.
A atualização é sempre inédita, inventiva e se constitui como território, em termos de uma resposta a um problema anterior. Virtualizar significa dissolver algo que se apresenta como atualização em um universo de diferenças. É sair da presença, é abandonar o território.
Significa potencializar esta atualização, no sentido de inscrevê-la em um todo maior, colocar nela uma interrogação que a faça tornar-se parte de um complexo problemático superior, o que levará, num espiral infinito, a novas atualizações e novas virtualizações. Este é um processo profundamente criativo cujos resultados surgem do inusitado jogo entre diferenças.
O texto digital constitui o protótipo da virtualização. O papel que podia amarelar-se com o passar dos tempos, a letra escrita à mão, a pressão no papel... Os significantes que habitavam o texto escrito perdem lugar. Na tela, eles são filtrados, substiuídos por outros significantes nada palpáveis. Um tipo de letra, uma imagem, um áudio, um texto formatado que me dirá deste outro tudo aquilo que posso construir a partir da rede de símbolos que me é transmitida. De concreto, só a máquina.
O primeiro indício da virtualização é a sensação de desassossego que sentimos frente às constantes mudanças. A velocidade do sistema online torna o tempo para tudo mais estreito. A rapidez com que uma idéia se atualiza e é substituída por outra, parece ser a mesma que faz com que tenhamos que nos reconstruir dia a dia. Se virtualizar-se é sair da presença, a velocidade é, então, um ingrediente efetivamente importante. Reflete claramente a descartabilidade das coisas no mundo atual.
De outra forma, como relata Lévy (1996), já percebemos a virtualização da sociedade nas novas tecnologias da comunicação, do transporte, da medicina, da economia e da política, repercutindo em uma subjetividade que prima pela mobilidade, que transita pelo diferente. A Internet, o enorme mercado do turismo, os transplantes de órgãos, as plásticas estéticas, o esporte em alta, o mercado do conhecimento e da informação... reflexos de uma virtualização que ainda entra em choque com um tipo de subjetividade que reluta, hesitante, em deixar o velho território, uma subjetividade às vezes saudosista, que teme correr riscos, uma subjetividade da propriedade privada. A subjetividade virtualizada se desprende da identidade, pois, apesar de se atualizar – que significa exatamente construir território, o que também é essencial – não mais se satisfaz em agarrar-se a ele. Está o tempo todo se deixando tocar pelo fluxo de forças que vibram constantemente em todos os sentidos. Uma subjetividade ativa, atuante, participativa, móvel, que ama a tempestade, a deseja e a provoca. O ciberespaço é o habitat do desejante.